Pandemia trouxe prejuízo para a atenção à saúde ocular de crianças e adolescentes, aponta Conselho Brasileiro de Oftalmologia
Com a pandemia de covid-19, a saúde ocular das crianças e adolescentes brasileiros ficou mais vulnerável. A dificuldade de acesso a consultas na rede pública e o receio de pais e responsáveis de levar seus filhos aos ambulatórios por conta de risco de contaminação com o coronavírus causaram uma queda significativa no número de ações preventivas nesta área. Esta realidade surge em levantamento realizado pelo Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO), em parceria com a Sociedade Brasileira de Oftalmologia Pediátrica (SBOP).
O estudo elaborado a partir da base de dados do Ministério da Saúde indica a redução de 43% no total de consultas oftalmológicas realizadas com o público de 0 a 19 anos, entre 2019 e 2020. Para a mesma faixa etária, o número de exames com finalidade diagnóstica teve redução de 36%. Para especialistas, a não realização destes procedimentos pode implicar em diagnósticos tardios, demora no início de tratamentos, redução de chances de cura e/ou recuperação e subnotificação.
“Crianças e adolescentes que usam óculos, e retornavam periodicamente para a renovação do exame oftalmológico, deixaram de ter esse cuidado nesse período. Isso é preocupante, já que excesso no uso de eletrônicos, comum durante o isolamento social, aumenta a progressão ou riscos de surgimento de doenças comuns nesse público, como a miopia”, relata a presidente da SBOP, Luísa Hopker.
Terreno –Diante deste cenário, o CBO alerta para a importância de se recuperar o terreno perdido durante a pandemia. “O começo do ano é um período marcado pela motivação para resolver pendências, e as consultas oftalmológicas podem fazer parte disso. Esse é um momento oportuno para pais e responsáveis levarem suas crianças e adolescentes ao oftalmologista. Revisar a saúde ocular é fundamental para garantir um bom rendimento escolar, prevenir o surgimento de problemas na visão e evitar o agravamento de quadros clínicos já existentes”, ressalta o presidente do Conselho, Cristiano Caixeta Umbelino.
Segundo ele, os professores podem ser grandes parceiros no monitoramento da saúde ocular das crianças. “Muitas vezes os professores podem perceber sinais que só se manifestam dentro da sala de aula. Querer se aproximar muito da lousa, virar a cabeça para tentar ver melhor ou mesmo a dificuldade de aprendizagem, podem representar indicativos de doenças oftalmológicas, como miopia hipermetropia ou astigmatismo”, alertou.
Apesar de uma tendência de retomada do ritmo de atendimentos para esse público, em 2021, os dados analisados mostram que ainda não foi o suficiente para se chegar ao mesmo desempenho registrado no período pré-pandemia. Na série histórica de 2012 a 2021, o ano de 2019 foi o que registrou maior número de consultas com oftalmologistas na faixa etária entre 0 e 19 anos.
De todas as consultas oftalmológicas realizadas entre janeiro de 2012 e novembro de 2021 para a população de até 19 anos, cerca de 40% foram com crianças de menos de um ano. Esse percentual corresponde a 6.365.393 idas aos consultórios de oftalmologia. Já a faixa de 1 a 4 anos é que menos atendimento do tipo no período, somando 1.348.895, o que representa apenas 9% do total.
Performance – Em 2020, todas as faixas etárias tiveram redução no número de consultas. A queda foi de, no mínimo, 40%, sendo que a maior queda foi observada no seguimento que cobre de cinco a nove anos (49%). Já em 2021, os dados computados de janeiro a novembro indicam um aumento no número de consultas oftalmológicas em 20%, em relação ao ano anterior, contudo ainda aquém de 2019.
A faixa etária que registrou a melhor performance foi a das crianças menores de um ano (28%). No período, o pior desempenho ficou no grupo de 5 a 9 anos, com apenas 10% de crescimento. As demais faixas registraram um aumento entre 12 e 17%, em relação a 2020, mas ainda são em média 36% menores do que a produção de 2019.
Não foi possível fazer uma análise detalhada sobre a distribuição geográfica das consultas. Apesar dos dados apontarem uma queda significativa no período, as informações disponíveis não permitem identificar as variações por estado com exatidão. Nos registros da produção ambulatorial do Sistema Único de Saúde (SUS), 87% das visitas de crianças e adolescente ao oftalmologista, estão sem informações sobre o local onde foram realizados.
Para Luísa Hopker, a queda no número de consultas oftalmológicas no público infantojuvenil é preocupante. “A Sociedade Brasileira de Oftalmologia Pediátrica orienta que o cuidado com a saúde ocular deve ser periódico e permanente. Em crianças saudáveis, deve ser feito pelo menos um exame no período de 6 a 12 meses, outro aos 3 anos e a acuidade visual, ou seja, a clareza e nitidez da visão das crianças, deve ser verificada anualmente”, ressaltou.
Teste do Olhinho — O cuidado com a saúde das crianças começa logo nas primeiras horas após o nascimento. Também conhecido como “Teste do reflexo vermelho”, esse procedimento de triagem é realizado pelo pediatra nas primeiras 72 horas de vida. O exame pode identificar doenças que levam a deficiências visuais graves, como a catarata e glaucoma congênitos.
Outras alterações no aparelho de visão podem precipitar o diagnóstico de doenças mais graves, como o retinoblastoma, tipo raro de tumor intraocular que acomete crianças. O teste do olhinho é realizado pelo pediatra e, notada qualquer alteração, a criança deve ser encaminhada, em até 30 dias, para uma consulta oftalmológica completa. O procedimento deve ser repetido 3 vezes ao ano, nos 3 primeiros anos de vida.
“O diagnóstico de qualquer alteração oftalmológica nos primeiros anos de vida permite que o tratamento seja precoce, aumentando as possibilidades de um melhor desenvolvimento visual na vida adulta”, alerta Luísa.