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Implantação de cidade-esponja pode começar por um bairro

Um conceito criado na China em 2013, baseado na ideia simples de criação de áreas permeáveis nos espaços urbanos, já adotado em cidades de vários países, inclusive no Brasil, mesmo que ainda de forma parcial. Trata-se das chamadas cidades-esponja, modelo desenvolvido pelo arquiteto e urbanista chinês Kongjian Yu. Em Uberlândia (MG), um bairro planejado já surgiu com características de cidade-esponja, entre as quais, uma área verde de 28 hectares.         

As mudanças climáticas e as tragédias ambientais registradas em várias partes do mundo, com situações extremas como a seca que atinge atualmente boa parte do Brasil, exigem cada vez mais esforços com o intuito de melhorar a relação humana com o meio ambiente. Incêndios, ondas de calor, tufões, furacões e inundações são termos habituais nos diversos tipos de mídia.

Há poucos dias para a chegada da primavera, que, nos meses finais, marca o início do período chuvoso no Brasil, se estendendo até o verão, as chuvas concentradas em alguns lugares e com grande volume em pouco tempo voltam a se tornar uma preocupação dos agentes públicos.  Além das medidas com efeitos em longo prazo, tornam-se necessárias ações para mitigar os problemas imediatos, como as inundações.

Neste sentido, o conceito de cidade-esponja tem sido adotado como alternativa para reduzir os transtornos causados pelo excesso de água pluvial nos espaços urbanos. Chamadas de soluções domésticas, por serem ajustadas às necessidades e características de cada localidade, as cidades-esponjas consistem basicamente em uma reconexão da urbanização com a natureza, onde houve severas modificações. Ou seja, o modelo prevê a preservação ou o aumento de áreas drenáveis, consideradas esponjas naturais.

O conceito foi criado pelo arquiteto e urbanista chinês Kongjian Yu, em 2013, como forma para solucionar os problemas de enchentes em Jinhua, na China. Hoje, o modelo é aplicado em mais de 250 cidades chinesas e também fora do país asiático. No Brasil, algumas cidades já despontam na utilização total ou parcial do método, que ganhou destaque no mês de maio deste ano por causa das inundações ocorridas no Rio Grande do Sul, em maio deste ano.

Professor da Universidade de Pequim, Kongjian Yu veio ao Brasil recentemente, a convite do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), para participar de um seminário sobre a reconstrução de cidades devastadas por tragédias naturais. Na ocasião, ele alertou que a “infraestrutura cinza” (excesso de asfalto e concreto) agrava este tipo de problema no mundo.  

 

Bairro planejado  

Em Uberlândia, no Triângulo Mineiro, o bairro planejado Granja Marileusa, na zona leste, se encaixa em diversos quesitos do conceito criado por Kongjian Yu. Hoje, o índice de área verde (IAV) no bairro é superior a 300 m² por habitante, enquanto o recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) é de, no mínimo, 12 m² por habitante, sendo o índice ideal de 36 m² por habitante, segundo o geógrafo Bruno Michelotto.

O estudo que aponta o índice registrado no bairro de Uberlândia foi feito pela economista Letícia Del Grossi Michelotto, que tem mestrado e doutorado nas áreas de geografia e planejamento urbano. O bairro Granja Marileusa foi objeto de pesquisa de sua tese de doutorado. Ela explica que, para chegar aos resultados, aplicou um conjunto de indicadores do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) em nível de cidade, mas fazendo uma adaptação de escala para o bairro.

Além de outros fatores, a pesquisa (feita em 2020 e publicada em 2021) apontou o IAV/hab. A estimativa das áreas verdes do bairro, considerando matas (28 hectares), espaços públicos e privados e a arborização das calçadas, foi feita por meio do uso de geotecnologia e confrontada com a quantidade de habitantes, na época. Com os dados atualizados em 2022 (1.705 habitantes) pelo Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), somando-se os setores censitários, já que não há dados consolidados por bairro, e aplicando a mesma metodologia, chega-se ao índice de área verde atual.

De acordo com a economista, a escolha do Granja Marileusa como campo para sua pesquisa se deu devido ao bairro ser pioneiro, na cidade, na perspectiva do ordenamento do uso e ocupação do solo para além da questão imobiliária. “Há uma tendência mundial de planejamento urbano baseado em soluções naturais. O homem não deve bater de frente com a natureza, mas adaptar-se de forma racional. E o Granja traz em sua concepção elementos que seguem esta tendência”, afirmou.   

Projeto de urbanização

Para Bruno Michelotto, que é geógrafo, especialista em gestão ambiental e consultor estratégico para assuntos ambientais do Granja Marileusa, os princípios da cidade-esponja já eram conhecidos, mas a nomenclatura chama a atenção para a necessidade de se repensar as cidades, incorporando dispositivos presentes na dinâmica dos sistemas naturais.

Ele explica que, antes de fazer as proposições para a concepção dos projetos de urbanização, foi necessário entender a dinâmica natural do bairro, como características da vegetação e do relevo, formações geológicas, presença de nascentes de córregos, drenagem das águas pluviais para os córregos, entre outros aspectos. Este estudo possibilitou a formulação de projetos alinhados com o conceito de cidade-esponja.       

Além das áreas verdes, há calçadas com áreas permeáveis que mesclam pavimento e grama. Este sistema de drenagem de água das chuvas será complementado com a construção de um barramento de contenção de cheias, um lago, que vai servir também como elemento estético do bairro. “Terá dupla finalidade, funcionando também como um lugar bonito, onde as pessoas possam caminhar, contemplar a natureza”, disse o diretor-presidente da Granja Marileusa Desenvolvedora, José Inácio Pereira.

Ele afirmou ainda que há projeto de implementação de um parque linear às margens do córrego que corta o bairro, o que também resulta no aproveitamento de elementos da natureza integrado à promoção do bem-estar dos moradores e demais frequentadores do local. “Há mais de 50 anos, o dono dessas terras já se preocupava com a preservação das matas, e estes ideais foram mantidos”, finalizou José Inácio.